sexta-feira, 21 de março de 2014

BELLINI E A PÁTRIA DE CHUTEIRAS


O Capitão, numa velha foto, envergando a camisa que só se veste por amor

Se existe Deus eu não sei, tenho lá minhas idéias a respeito. Deuses, no entanto, os há e muitos. Alguns desses deuses eu tive o privilégio de ver dentro de quatro linhas, como o grande Djalma Santos. Outros, como o grande capitão Bellini, eu só vi em velhas fotos e em filmes preto e branco. Sua imagem, levantando a Jules Rimet na Suécia  é uma das mais sacrossantas imagens da Pátria de chuteiras.
Hoje já não há pátria de chuteiras, está fora de moda a ideologia de Nelson Rodrigues, o grande demiurgo do brasileiro do século XX. Naquela época, o futebol era o que nos fazia sorrir, nos fazia sonhar ser grandes, nos fazia deixar de ser vira-latas. Hoje, mestre Nelson, é hora de mudar o disco, mudar o discurso, repaginar. Não precisamos nos enxergar no mundo com as lentes do canal 100.
Mas temos deuses das quatro linhas. Temos um país que corre atrás da bola em qualquer canto do Mundo, do gelo da Islândia aos mares do sul da China. Somos um povo que bate tiro de meta com bicão pra frente, que cobra lateral sem dar chance de reversão pro adversário e que bate escanteio direitinho (menos eu, grande perna-de-pau que sou), no primeiro ou no segundo pau. Somos, com muito orgulho, um país que cruza e vai pra área cabecear.
Hoje, as vésperas de mais um mundial no Brasil, perdemos nosso grande capitão, o homem que levantou a taça. Segundo ele mesmo, levantou a taça porque todos queriam ver. Certo, Capitão. Bellini foi dessa estirpe de boleiros épicos. Que compensava sua falta de técnica com muita garra, sem ser violento. Que dava bronca, quando era necessário, em colegas do porte de um Vavá, um Garrincha, um Pelé. Que liderava um time que tinha Didi no meio de campo e Nilton Santos na lateral. Definitivamente, não é pra qualquer mortal.
E nós atleticanos, ainda tivemos a alegria de ver o Capitão com a camisa que só se veste por amor. Não foram tempos muito bons pro nosso Furacão, mas tivemos deuses como Bellini, Djalma Santos e Brito nos fazendo companhia. Nosso querido Marcus Porvinha talvez se lembre de alguma história e queira nos contar sobre Bellini na Deitada-a-beira-do-mar, será que não?
Estamos meio ressabiados com a Copa. Estamos meio de saco cheio com tanta conversa mole de estádios inacabados, de dinheiro a rodo indo pra obras suspeitas. Sem paciência para a cartolagem, para a FIFA, para o governo e os empreiteiros (sempre eles!).  Definitivamente, este é um mundial sem Pátria de chuteiras. Ainda bem, é um bom sinal, somos um país mais maduro. O futebol já não é mais o ópio do brasileiro.
Isso não significa dizer que não vai ter Copa. Vai ter sim, e durante um apito e outro, nossas vidas só terão sentido dentro daquelas quatro linhas. Vamos gritar muito, vamos vibrar muito. Depois, quando se fecharem as cortinas e se encerrar o espetáculo, a história será bem outra. Queremos ver a conta dessa festa toda, e cadeia pra quem botou a mão no que não era seu. E vida pra frente, pois o futebol é só um jogo.

A imagem épica de Bellini levantando a taça para a Pátria de chuteiras é a imagem de um época ingênua e, quem sabe, feliz. Talvez você nos diga, Bellini, se é verdade que a felicidade só se encontra nas velhas fotos em preto e branco, envergando uma camisa rubro-negra?

quinta-feira, 20 de março de 2014

HISTORIAS DE MINHA CABEÇA

o personagem da cabeça voadora do filme "as aventuras do Barão de Munchausen", do Monty Pithon
Hoje na Austrália, ou seja, amanhã aqui (é isso mesmo?) meu filho surge do nada do facebook pra cobrar que eu escreva historias da minha cabeça no blog. Histórias de minha cabeça? Explico: quando eles eram crianças, e isso não faz muito tempo (entre dez e quinze anos atrás) eles viviam me pedindo pra contar historias na hora de dormir. No começo, eram umas historias mais tradicionais, aquelas que fazem parte do inconsciente coletivo: chapeuzinho vermelho, cinderela, Pedro e o Lobo, e outras quetais. Certas épocas tinha que ser exatamente a mesma história toda santa noite. Quem é pai sabe da manha.
Depois, eu tinha outras – tinha uns contos do Câmara Cascudo, umas historias do Pedro Malazarte e coisas do gênero. Depois, ainda contei umas que escutava quando criança que me contava meu tio Edilson Leal – parte câmara cascudo, pare folclore baiano e outras que ele mesmo inventava, e que nós - eu minhas irmãs e meus primos - adorávamos ouvir quando íamos pra casa dele nas férias.
Chegou um ponto, porem, que a fonte secou: como não secar?  Não dá, as sinapses são as mesmas, não tem jeito mais!  Aí eu um dia comecei a inventar historias, mas no dia seguinte eu não me lembrava. Qual? Aquela, da tua cabeça, me pediu um dia a Júlia.
Lembrei então de um filme do Monty Pithon, acho que foi “a Maravilhosa Historia do Barão de Munchhausen”, em que tinha um personagem que era só uma cabeça. Pronto. Contei a eles que a minha cabeça tinha se desprendido do corpo – eu sou meio avoado mesmo – e ficou andando por ai. Eles me olharam, desconfiados – o pai tá nos engrupindo. “Sim”, respondi, “vocês não queriam a história da minha cabeça?”. 
E assim foi. Um dia, minha cabeça chegava até a Lua, onde meu pai sempre dizia que ela estava mesmo. Noutro dia, meu crânio voador descia no fundo do oceano pra conversar com o Peixinho Vermelho, um Nemo do tempo antigo, personagem de meu querido Edilson Leal. No outro, estava na mão de gigantes que jogavam pingue pongue comigo. Teve alguns dias em que a cabeça sonhou que ela era só uma cabeça que sonhava que era uma cabeça que sonhava... ”Pai, deixa de enganar a gente e conta a historia!”, pediam Julia e Pedro, zangados com a embromação. Historia pra dormir não é pra amadores...
Agora, uma cobrança via facebook – porque você não conta a historia de sua cabeça? Bem que tentei responder: Porque tem o Departamento, tem os alunos, tem as aulas... ”queremos historia de sua cabeça!” continuaram me pedindo os dois, já bem marmanjinhos, no chat do tal do face.  E ai? Nem sei.  Achei que estava guardando historias de minha cabeça pra próxima geração que está vindo por aí. Nem sei se ainda tenho sinapses para tanto. Tem dias que eu só quero deitar no sofá e ficar ali parado, vendo as moscas voarem pra lá e pra cá, sem fazer nada, sem pensar, sem tugir nem mugir...

Julia e Pedro: não prometo nada. Minha cabeça vai pensar. Nos tempos que correm já é muita coisa.

terça-feira, 11 de março de 2014

A TRAGÉDIA FEZ TRÊS ANOS...E NÓS COM ISSO?

A destruição do bairro da Larangeira, em março/2011

Hoje, há três  anos atrás, a Deitada-a-beira-do-mar viveu uma das maiores catástrofes de sua história. Pra quem não se lembra, a chuva intensa daqueles dias gerou diversos escorregamentos de terra, que destruíram dezenas de casas, com dois óbitos, além de ameaçar o abastecimento de água na Pita e no Km 4. Foram dias de muito medo e apreensão. Lembro-me das pessoas apavoradas pelas ruas, me perguntando se era verdade que o Morro da Pedra ia desabar. Lembro-me das milhares de pessoas do Portinho e das Graciosas de cima e de baixo que tiveram que abandonar suas casas. Lembro-me das reuniões tensas nos Bombeiros e na Defesa Civil, em que se fazia o levantamento das áreas mais afetadas e das que ainda corriam risco de sofrerem com os escorregamentos. Foram dias realmente tensos.
Mas também me lembro do esforço que as pessoas fizeram, e que, no meio de toda a tragédia, nos fazem acreditar que as coisas podem ser melhores. Vi as dezenas de voluntários que cuidavam de fazer organizar e distribuir as cestas básicas aos desabrigados, dos funcionários da prefeitura fazendo o possível para minorar o sofrimento das pessoas, vi o pessoal do SAMAE lutando no Km 4 pra evitar que um grande escorregamento rompesse os canos da agua e colocasse em risco o abastecimento da cidade. Todos fizeram seu melhor, e a sensação que eu tinha andando pelas ruas embarreadas de minha terra que nós éramos um povo unido e solidário.
Acho que somos. Lembro que falei com diversas pessoas que aquilo significava não um fim, mas provavelmente um novo começo. Até escrevi alguns textos (AQUI)  (AQUI TAMBEM) sobre isso: a cidade estava tendo uma chance de se reinventar e começar de novo.
O tempo, que afinal é o senhor da razão, passou inexoravelmente sobre nós. Cada um nos seus afazeres, cada um com suas preocupações, e fomos deixando de lado as boas intenções do inicio. O mato cresceu vigorosamente nas cicatrizes dos escorregamentos, apagando-os de nossas vistas e de nossa memoria. Dá pra imaginar a quantidade de escorregamentos tão ou mais catastróficos aquele mato esconde? Eu contei pelo menos mais um, de idade desconhecida, na subida do morro da pedra. Na Serra da Prata, no Floresta, deu pra ver dois episódios grandes de escorregamento antes deste atual.
Eduardo Nascimento, nosso Bó, como sempre, foi à luta e conseguiu um começo: o Parque do Mirante. Ele tem que sair do papel. E os desabrigados? Como estão? Quanto mais o tempo passa, diminui nossa solidariedade, não estamos mais nem aí pra eles.
Três anos depois, Antonina fica mais distante da tragédia e mais perto de sua realidade: todos brigando com o tal do prefeito, que afinal de contas não é nenhum semideus, mas é quem foi eleito pra governar a cidade. Será que nenhum prefeito presta? Enquanto isso nos preparamos para eleger por mais um quatriênio o próximo prefeito,  que vamos certamente odiar. Será que só os prefeitos é que estão errados? Será que não exigimos deles coisas que poderíamos fazer?

 São só alguns pensamentos que me vem, à distância, quando penso na tragédia de 11 de março e nas oportunidades que deixamos passar.