segunda-feira, 13 de junho de 2016

SOB A SOMBRA DO VULCÃO

O Vesúvio visto de Nápoles

Ontem eu estava com certo receio de Nápoles e dos napolitanos. Apesar de me julgar quase um napolitano, que achava que para conseguir esta condição era suficiente consumir sorvete napolitano (aquele com três sabores) e a pizza marguerita, cheguei aqui com os dois pés atrás. Confesso que minha primeira impressão foi a de um mundo caótico e sem lei. É um pouco assim mesmo. Mas tem também outras coisas.
Ao caminhar pela manhã pela cidade, não se pode ignorar a figura magna do Vesúvio. Sim, o grande vulcão que assombrou o império romano e submergiu as cidades de Pompeia e Herculano está ali, nas vistas de cada um. É como se, em Antonina, estivéssemos todo o tempo com um perigoso e avassalador morro do Feiticeiro.
Ao caminhar pela cidade sentimos que ela é habitada por um povo hedonista, que adora o prazer e se divertir. Como não se divertir, se você vive na boca de um vulcão? Fiz essa pergunta para mim mesmo varias vezes. Não sei se tenho uma boa resposta. A ultima erupção foi em 1944, os pracinhas brasileiros anotaram suas ocorrência quando passaram por aqui. Como reagiria frente a uma erupção?
O que impressiona em Nápoles é o sol, que brilha como em nenhum outro lugar que eu conheça. Uma luz que faz tudo se cobrir de uma aura, como se fosse uma pintura a óleo. Os pintores que vierem para a Itália no século XVIII inventaram um tipo de pintura que se encontra em todos os lugares, em todas as casas burguesas desde então: uma pintura em tons pastel, mostrando uma natureza perfeita e maravilhosa, numa baia perfeita e cheia de gente alegre. Arvores e céus perfeitos, desenhados em delicados tons pastel.
Não é assim, por suposto. As pessoas são rudes e grosseiras, e sua grosseria é visível nas ruas, no transito, no atendimento dos restaurantes. O lixo se acumula em todo o lugar, apesar dos carrinhos e das modernas caçambas de lixo em todas as ruas. No comercio há que se fazer atenção no troco, os taxistas (sempre eles – cadê o Uber?) querem nos enganar a todo o momento.
Nas ruas, vemos cartazes com figuras estranhas, candidatas a não sei o que. Eu não votaria em nenhum deles. Mas há quem vote, e esses são os napolitanos. Foram enganados, invadidos, envenenados, e não estão nem aí. Adoram sua baía, sua cidade e sua vida. Lutam pra manter tudo como está. A alegria é a família, a missa, os amigos. Faz quinhentos anos que é assim. Resistiram à Revolução Francesa, às Guerras Napoleônicas, à Unificação italiana, à Revolução Industrial, à invasão aliada durante a Segunda Guerra Mundial. Enfim, os napolitanos resistiram à Era Moderna. Apesar de andarem pra lá e pra cá com seus celulares, estarem na internet e assistirem à RAI, os napolitanos são seres do passado, tentando manter-se naquelas pinturas românticas de antanho.
Entendo perfeitamente.
Venho também de uma cidade que, embora pequena e insignificante e parada no tempo, não desiste jamais. Claro está que a Deitada-a-beira-do-mar não se compara com Nápoles e seus dois mil anos de história. Antonina não tem o Vesúvio, mas como disse antes, tem o Morro do Feiticeiro. Embora moderna, é também conservadora. As pessoas tem essa amabilidade rude e graciosa que encanta quem vem da modernidade. Que afaga quem vem, carente,  de relações capitalistas, tipo “Time is Money”, “no pain no gain”.  
O que eu quero dizer é que esta sensação de um tempo anterior a nós a qual, embora não se sustente, nos é muito cara. Não é possível passear pelas vielas de Nápoles sem sentir uma certa nostalgia deste tempo e deste espaço, mesmo que não pertençamos a este mundo. Eu, que tenho algumas fumaças deste ar pré-capitalista, que trago de minha vivência antoninense, me rendo e digo que um outro mundo é possível.

Vivemos todos sob a sombra do vulcão. 

domingo, 12 de junho de 2016

NAPOLES NÃO É PARA PRINCIPIANTES

Piazza del Plebiscito, Napoli

Cesar e Napoleão cruzaram os Alpes uma vez. Eu e Zezinha, de uma maneira mais simples e banal, cruzamos os Alpes duas vezes ontem. A primeira, vindo do Brasil em direção a Munique, na Alemanha. Lá demoramos um tempo no aeroporto e pegamos outro avião para Napoli, aonde chegamos ao fim da tarde. Foi quando cruzamos os Alpes pela segunda vez. O tempo nublado não nos permitiu ver nada além das verdes campinas da Baviera e dos rudes penhascos próximos de Napoli.
O aeroporto de Nápoles é bem simples e meio velhinho, e me lembrou do antigo Santa Genoveva de Goiânia, antes das reformas da Copa. O motorista de taxi, que me lembrou de todos os motoristas de taxi do mundo, dirigiu feito um maluco pelas avenidas e como um “pazzo” pelas ruas velhas do centro de Nápoles. A noção de “transito caótico” dos guias de viagem é pouco. As ruas são estreitas e os carros e motos andam a toda, expulsando para os cantos os pedestres. Fiquei com pena de algumas velhinhas que vi pelo caminho, se esgueirando para uma proteção de metal que algumas vielas têm. Mal dá pra caber um carro e ali passam uma moto, um carro e dois pedestres. Ao mesmo tempo.
O motorista de taxi nos indicou alguns pontos, com uma bela vista do monte Vesúvio de do monte Somma, majestosamente situados no fundo da baia de Nápoles. Indicou o Quartiere Spagnoli, onde as ruas estreitas e prédios altos com varais de fora a fora dá a impressão do exótico que a Itália sempre mostrou aos turistas. Aquele abandono e pobreza blasé e aquele amontoamento de gente que se vê nos filmes italianos antigos.
Nossa anfitriã do AirBnB, a Marina, nos recebeu muito bem, mostrou os detalhes do quarto e da casa. Estamos num quarto no rés-do-chão de um prédio do século XVII, com as paredes descascando e janelas velhas e varais para a rua. Moraria num desses se obrigado pela necessidade, claro está. Mas se pudesse... Ah minha casinha!
Depois, Marina nos levou a conhecer a redondeza. Caminhamos pelas ruas do bairro, ruas estreitas e cheias de pequenos comércios: uma pizzaria, uma verduraria, uma mercearia, e essas outras coisas pré-capitalistas que a modernidade nos deixou sem. Nem temos tempo para comprar todas essas coisas num só lugar, o que dirá comprar tudo picado, e à dinheiro...
Mais abaixo está a grande Praça do Plebiscito, e seus grandes cafés, o Palácio Real, que está em reformas, e a opera São Carlos. Segundo Marina, ela está no mesmo nível do Scala de Milão. Tem na sua programação desta semana um “Romeu e Julieta”, a preços obviamente exorbitantes.
Marina nos deixou na galeria Umberto Primo e se foi. Voltamos no meio da multidão, de gente passeando num morno sábado à tarde.  Diz que as ruas são perigosas, e até crianças são batedoras de carteira. Vimos foi muita gente rindo e se divertindo, o que, dizem, é coisa que os napolitanos melhor sabem fazer.
Comemos uma marguerita à napolitana, uma massa de pão com massa de tomate e grandes (e poucas) folhas de manjericão e um pouco – muito pouco – de queijo. Em tempos de menos glúten e gordura, não é tão ruim assim. A noite chegou, e fomos dormir, exaustos de tanta viagem e novidade.

Ao que parece, Nápoles não é para principiantes....