quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CONVERSAS COM GUSANO (1): DIA DOS MORTOS

uma catrina, vestida de noiva, na frente de uma lojinha em Guanajuato, México
Hoje é dia dos mortos. Não sou nada religioso, ao contrário, embora procure respeitar as crenças todas. Acho que muitas mal não fazem, outras são duvidas existenciais disfarçadas de religião. Fanatismos e dogmatismos, esses eu detesto. Mas, como eu dizia, hoje é dia dos mortos e estou particularmente tocado. Um pouco porque estive no México, fiz amigos mexicanos e aprendi um pouco sobre o quanto a data é significativa para eles. É um dia da família ir ao cemitério e levar iguarias aos seus mortos. As festividades duram quase um mês, sendo parte integrante da cultura mexicana. Mortos, esqueletos, caveiras, você encontra em qualquer lugar, em qualquer esquina. Os esqueletos femininos, com chapéus e outras coisas afins, têm até nome: são as “catrinas”, sei lá eu por que.

Para nós é outra coisa. É um dia calmo, em que sempre chove um pouco, garoa branda. Em Antonina, é certeza de uma garoazinha. Aqui em Campinas o céu está azul e faz um friozinho. Dia de se levar flores aos cemitérios, limpar túmulos, acender velas aos mortos. Em respeito a tudo isso, embora ache que tudo acaba e pronto, sem deus nem justiça, fiz minha parte e acendi uma vela na sala aqui em casa, pra homenagear meus mortos queridos. O pouco que fiz de psicanálise me diz que isso é mais para mim do que para eles, que já se foram e são hoje só uma saudade. Quando eu me for, minhas saudades irão comigo, minhas lembranças e meus sentimentos acabam como uma chama que se apaga com o vento: acho que é esse o significado da vela que arde em minha lareira.

Trouxe um amigo do México. Não é bem verdade nem é correto dizer que se pode comprar um amigo, mas foi exatamente o que fiz. Comprei uma garrafa de um aguardente mexicano, o mezcal. Dentro das boas garrafas de mescal vem dentro um verme, um bigato, como dizem os paulistas. É garantia de que o mezcal foi feito do mais puro agave, que á uma das variedades de nossa pita. Destilando-se o mescal é que se obtém a tequila.

Pois bem, tenho tido altas conversas com Gusano, o verme de minha garrafa de mescal (gusano é verme em espanhol). Conversas profundas, existenciais. Coisas de cachaceiro, diriam alguns – o mais correto seria dizer mezcalero. Para afogar mágoas, nada melhor que conversar com um amigo engarrafado e já afogado em mezcal. Gusano tem me contado coisas interessantes sobre o amor, a felicidade, a solidão, a saudade.

Um pouco de tudo isso têm sido minhas recentes conversas com Gusano. Sentir saudade da família, dos filhos, dos amigos é mais fácil em terra estrangeira, quando tudo está distante, segundo Gusano. Sentir saudade dos mortos é outro estágio, saudade dos que não tem mais presença física, só a memória mediada pela cabeça dos que estão vivos. Gusano me disse um pouco mais: a mais funda saudade é a saudade de nós mesmos, daqueles que já fomos, que já vivemos e sentimos. A saudade que é irmã da solidão, não a solidão simples, mas a solidão existencial, o estar só por entre as gentes, como diria Fernando Pessoa.

Se pudéssemos voltar no tempo e fazer tudo diferente! Mas isso não existe, é uma impossibilidade física, vivemos no mundo de Newton, Einstein e Heisenberg : tudo existe e funciona, mas é relativo e incerto vezes a velocidade da luz ao quadrado. Gusano é taxativo: deixe de chororô e bola pra frente, amigo. Pois é, amigo Gusano, é isso aí, bola pra frente. Temos que viver e viver com nossos atos e das conseqüências deles. Os mortos estão mortos, já nada podem fazer. Nós, os vivos, mesmo iludidos no espaço-tempo é que temos que literalmente carregar a chama, enquanto nos caber viver. E viveremos, caro Gusano, coerentes com o que aprendemos com nossos mortos.

Depois de um vendaval no sábado que nos deixou sem luz e arrancou arvores por aqui, agora faz um sol bonito. O sol, esse, nasce pra todos e não está nem aí se estamos eufóricos ou melancólicos. Sim, Gusano, nesse dia dos mortos o bom mesmo é viver e aproveitar a claridade e o calor.
Meu amigo Gusano, profundo como sempre, dentro da garrafa de mezcal lendo alguns papers...

2 comentários:

  1. Declarando, de plano, meu respeito incondicional por seu amigo Gusano, e enviando-lhe um abraço, veja o que encontrei sobre La Catrina.
    http://rosasdocotidiano.blogspot.com/2011/11/la-catrina.html

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  2. Gusano lê o Ornitorrinco não todos os dias, mas sempre que pode...
    e veja só a Catrina...que coisa
    valeu, Cequinel, um abraço!!

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