terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

REPENSANDO A ÉPICA JORNADA


Na nossa querida Deitada-a-beira-do-mar, muito tem se dito e escrito sobre a épica jornada dos escoteiros capelistas ao Rio em 1941. Uns tempos atrás, andando ali pela  antiga caserna, uns meninos de uns oito ou nove anos vieram me contar o que tinha acontecido ali: “os escoteiros foram a pé ao Rio de Janeiro entregar uma carta pra Getúlio Vargas”. Eles me contaram felizes e feliz fiquei por aqueles pirralhos terem conhecimento e orgulho de tudo aquilo. Isso é consciência histórica.
No entanto, a cada 19 de fevereiro, que foi o dia em que os bravos meninos de Antonina finalmente se desincumbiam de sua missão – retratada pela foto de Milton Oribe entregando a carta ao ditador, eu vivo me perguntando: o que aconteceu de verdade?
Temos um documento: o diário escrito – e muito bem escrito, aliás - pelo bravo escoteiro  Canário. Ali temos os principais episódios, as lembranças, as desavenças entre os meninos, a entrega da carta e a volta dos meninos para sua terra natal, com o dever cumprido.
A primeira pergunta sobre este documento – existe um documento original, feito por Canário durante a histórica viagem, e um outro, que foi “passado a limpo” por Canário, onde este elimina histórias contadas no calor dos fatos. O que temos por aí - eu mesmo tenho uma copia digital - é a versão “corrigida”. Seria importante, para contar a história toda, ter as duas versões dos fatos.
Os Escoteiros chegaram ao Rio em 26 de janeiro: por que não foram imediatamente entregar a carta? Ao que parece, a tal entrega foi um evento em que tinham escoteiros de todo o pais, e não só de Antonina. A própria foto em que aparece um orgulhoso Milton Oribe ao lado de Getúlio, é claramente uma foto “oficial”, ou seja, uma foto montada para aquele evento virar histórico.
Qual o papel da União dos Escoteiros do Brasil no episódio? Como foi marcada a audiência? Sabe-se que naquela época era comum os ditadores de plantão utilizarem-se de jovens para mostrar seu poder: Aí estão as juventudes comunista, hitlerista, a “juventude balila” de Mussolini, e o movimento escoteiro em outras partes do mundo. Os escoteiros de Antonina passaram para a história ao lado do ditador e o ditador passou para a história como um herói de juventude de seu pais. Os dois sairam bem na foto. Uma mão lava a outra.
Outra pergunta que não quer calar: o que eles conseguiram? Diz a história oficial que as reivindicações foram atendidas. Quais? Existem documentos ou decretos de Getúlio Vargas explicitando isso? Essas medidas tiveram efeito de curto, médio ou longo prazo?
Enfim, trata-se de episodio épico que não deve se tornar mítico. O mito tudo petrifica, reduz os fatos a lendas  sem sentido histórico, que só servem para perpetuar velhos discursos. O que está em discussão aqui não é a jornada dos quatro meninos, épica em todos os sentidos que queiram dar a ela.
O que está em jogo é: o que estava acontecendo na cidade naquela época para que se confiasse a meninos uma tarefa que em outras épocas seria confiada a homens? O que foi conseguido? Qual foi o preço disso tudo para a cidade?
Eu acho que esse é o verdadeiro sentido de se tentar entender a historia de nossa cidade. Questionar mitos faz parte do jogo. Por trás dos mitos, todos do mais puro mármore, surgem pessoas. Pessoas como eu, como você, enganados entre a dor e o prazer, achando que são boas e que fazem o bem. O que é o bem? O que é o mal? Quem tomou as decisões que tomou, baseado em quê? Quais foram as consequências dessas decisões? Para quem serviram?
Essas perguntas valem para os homens (e meninos) de 1941 como para os bagrinhos de 2013 e dos anos que estão por vir.
Sempre alerta, Capela Querida.

8 comentários:

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    1. obrigado, Edson! acho que é tempo de se fazer algumas perguntas mesmo, valeu pela força;
      outra pergunta que não quer calar: onde estão suas saborosíssimas crônicas?

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    2. Essas histórias da cidade deviam ser constantemente alimentadas nas aulas de história, nas escolas.

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  2. Jeff, achei sensacional os seus questionamentos. estou replicando a matéria no meu blog, ok.

    Grande abraço.

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  3. jeff pergunte para o sr joão santos( maloca) que mora no bairro alto,ele é primo do miltom uribe, ele joão é filho de dona matilde (falecida) e tia de miltom uribe.

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    1. valeu pela dica! também tem os filhos de Canário, a filha dele já comentou aqui no blog

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  4. jeff, que milton Oribe recebeu nome de rua eu sei,fica no portinho,agora os outros eu nao sei ,vc poderia informar aos seus leitores ? grato.. Abreu ctba

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  5. Abreu, desculpe a demora em responder, mas com minha recuperação aqui não está fácil: vai lá - Milton Horibe; Manoel Antônio de Oliveira, Antônio José Gonçalves (Canário), Lídio Santos e Alberto Storach Júnior, que era o chefe do grupo.

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