segunda-feira, 1 de julho de 2013

PLANETA RAIVA

As manifestações na avenida Moraes Sales, em Campinas (copiei aqui)
Foi a diva Elza Soares quem contou: ela estava no programa de calouros de Ari Barroso, lá pelos anos 50. O radialista, olhando para a menininha de seus 15 anos, adolescente magrinha e vinda do subúrbio, quis tirar uma onda de sua estranha figura e perguntou: “Menina, de qual planeta você veio?” a resposta da diva foi divina: “Do Planeta Fome, seu Ari”. Uma sensação estranha me passou pela cabeça: hoje, no Brasil, vivemos no Planeta Raiva.
Estive na primeira manifestação aqui em Campinas. Andei pelas avenidas centrais: Francisco Glicério – equivalente à Marechal Deodoro em Curitiba, larga e cheia de lojas e bancos. Muita gente, muitos cartazes, todo o tipo de proposta. Quando cheguei perto da Prefeitura, que tinha virado uma praça de guerra comecei a olhar os tipos que lá estavam. Tinha de tudo. Mauricinho, descolado, skatista, mano. Mas estes, os manos, junto com os skatistas, eram os mais ativos. Tacavam pedra na policia, que devolvia com bombas de gás. Os vidros dos pontos de ônibus na rua estavam estilhaçados, os vidros da própria prefeitura estavam quebrados, latas de lixo reviradas e pegando fogo.
Via-se aqui e ali pelotões do choque, de escudos e lança-bombas. Os manifestantes investiam contra eles com paus e pedras, e eles devolviam com bombas, cassetetes e – não vi, mas um aluno nosso acabou levando um tiro – balas de borracha.
A parte classe média das manifestações não me interessa. Pediam coisas que meu avô udenista assinaria embaixo, nenhuma relevante. Sem mudar o sistema de poder, não há o que fazer em termos de moralidade, pois o capital não tem moral. Qual a moral de um punhado de notas de 50 ou 100 reais? Que culpas morais tem um punhado de dólares num paraíso fiscal?
O que me interessou foram os meninos, os tais dos vândalos que a imprensa, nunca tão burguesa como agora, resolveu assim chamar. É fácil chamá-los de vândalos, de bandidos, botar a policia em cima. Estes dias a policia carioca invadiu uma favela e matou dez dos “vândalos’. Ninguém vai notar a diferença, e todos vão ficar mais aliviados, certo?
Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem”. Essa frase do dramaturgo Bertold Brecht nunca me pareceu tão verdadeira. No subúrbio, na favela, ninguém nunca chega de mansinho: o Estado chega atirando, e não é com balas de borracha. A vida dos manos é a vida contada nos raps, onde denunciam a dor e a violência que os cerca. Alguém imagina que uma pessoa vivendo num mundo assim vai pruma manifestação distribuir flores ou beijos?
Que fique bem claro: não sou uma pessoa violenta, nem estou pregando a violência. O que estou dizendo é que esta violência dos “vândalos” precisa ser tratada, precisa ser entendida. Cinco séculos de escravidão e opressão estão por trás destes quebra-quebras. Empregar a policia é só mais do mesmo. E vamos perder a chance de realmente integrar estas pessoas na nossa sociedade como pessoas, coisa que nossas elites e nossa classe média em absoluto não entendem.
Bóris Schnaidermann, escritor e ensaísta, foi também pracinha expedicionário na Segunda Guerra Mundial. Em seu livro “Guerra em Surdina”, onde conta sua experiência, nos diz dos soldados comuns, do nosso “povão”, que enfrentaram com um misto de medo e bravura o frio europeu e a guerra moderna. Na volta ao Brasil, Schnaidermann nos conta que viu, em pouco tempo, os seus bravos camaradas de guerra desaparecer no meio da massa, invisíveis. E pergunta, atônito: “onde estão vocês?

Estas manifestações foram somente a ponta do iceberg. A grande massa sequer se mexeu, só mostrou seus dentes. Quando ela se mexer de verdade, não adiantarão cem edições especiais de Veja pra contar a história.  

(PRA QUEM QUISER LER MAIS SOBRE ESTE ASSUNTO DE GENTE MAIS BEM PREPARADA QUE ESTE HUMILDE BLOGUEIRO, CLIQUE AQUI )

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