domingo, 11 de junho de 2017

A MORTE DE BATMAN

Adam West, em foto de 1999, sentado sobre o bat-móvel


Entre tantas perdas que tivemos recentemente, uma delas me bateu tanto que senti, depois de algum tempo, vontade de escrever algumas maltraçadas linhas. Trata-se da morte de Adam West, o icônico Batman do seriado dos anos 60.
Com a perda de West, senti que muito de meu passado está ficando irremediavelmente distante. As tardes em frente da velha – e grande -  TV preto e branco, vendo assustado as encrencas em que se metiam Batman e Robin, lutando contra inimigos não menos icônicos como o Charada, o Pinguim, o Coringa e a não menos temível – e por isso mesmo adorável - Mulher-gato são tardes cada vez mais distantes e apagadas na memória.
Adam West vestiu um Batman da contracultura, um Batman que vinha direto dos gibis, com muita meta-linguagem e com um cenário super-colorido e sua linguagem de socos onomatopaicos – os formidáveis Crash, Pow, Thud...
Era um Batman juvenil e alegre, bem distante daquele Batman introspectivo e sombrio que a série “Cavaleiro das Trevas” viria a impor a partir dos anos 80. Um Batman com falhas, um vingador obsessivo, um ser transtornado e perturbado.
Como não amar aquele imperturbável ricaço que descia por uma passagem secreta para seu esconderijo secreto para lutar contra o mal? Quem nunca quis ter uma segunda identidade e uma batcaverna para se esconder e trabalhar nas mais incríveis ferramentas? Usar o cinto de utilidades, tão kitsch quanto incrível, inventar poções borbulhantes em tubos de ensaio gigantes ou dirigir o bat-móvel ou o batplano pelas ruas e pelos céus de Gotham City?
Santa ingenuidade, Batman! Doce ingenuidade, Batman, embalada em frente da TV preto e branco da sala de estar...
Hoje em dia, em que vivemos nesta lamentável gangorra de emoções ruins e golpes baixos, temos juízes e procuradores que se travestem de Batman. Querem ser justiceiros, querem fazer a diferença como se justiceiros fossem, e não trabalhadores da justiça. Que fazem seu serviço como se dirigissem batmóveis e enfrentassem Coringas ou Charadas, quando o que na verdade enfrentam são os temers, os jucás, os renans, os aécios, bandidos mais espertos e muito mais barra-pesada.
E a justiça? Batman podia pegar seu bat-fone e ligar para o Comissário Gordon e tudo estava resolvido. Batman era um funcionário do Estado, agindo nos interstícios do poder do estado. Quando tudo parecia perdido, o home morcego havia sido capturado pelos vilões e estava para ser morto, aparecia a polícia de Gotham City – o herói estava salvo, e os bandidos estavam presos.
Quem vai prender quem? As lamentáveis Cortes que temos, a deplorável magistratura que sustentamos com nossos impostos é ela mesma cheia de Pinguins e Charadas. Não há espaço para ingenuidade, a lei e a ordem vão se esvaindo como areia por entre nossos dedos e tudo o que foi construído com muito esforço nos últimos trinta anos - a minha vida adulta – se esboroa frente aos interesses privados e à vontade do tal de “mercado”, sem que temas de moral e ética provoquem a mínima indignação.
Todo o legado do século XX e as suas guerras mundiais parece não ser mais levado a sério. A luta contra os nacionalismos perversos e beligerantes como o nazismo, o fascismo e o nacionalismo nipônico, a luta contra a exclusão social, a luta pelas soluções globais negociadas e pelas leis e valores democráticos – o quer que isso queira dizer – ficam cada vez mais relativos.
O colorido vibrante do Batman de Adam West talvez queira nos dizer alguma coisa, nos lembrar de algo que ficou para trás. Um Bat-sinal.

4 comentários:

  1. Excelente texto, Jeff! Quando vi a notícia, pela TV, da morte de Adam West, só pude dizer: Ah, não! Era mais uma parte da minha infância, ou da minha inocência, que ia com ela.

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  2. Obrigado, Edson!! Foi esta a minha sensação, de perda da inocencia...me pôs em estado de escrever algo, coisa que não sentia há tempos...

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  3. O cinto de utilidades... estará aí uma conexão com a carreira do Indiana Jones Geólogo?

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    1. Não tinha pensado nisso, Maria José...mas, quem sabe não é verdade?

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