sábado, 7 de outubro de 2017

A NOITE DOS BESOUROS



Ontem fez muito calor, e os insetos revoavam pela casa e pelo jardim. Ao longe, trovoadas e uma lua pálida prenunciavam a chuva que viria. No ar abafado, os besouros voavam, com seu jeito desengonçado. Diversos tipos de besouros, muitos besouros.
Dizem os entomologistas que o tempo presente não é a Idade do Homem, e sim a Idade do Besouro. Eles são o gênero mais comum, com maior quantidade de espécies. Um desses entomólogos, especializados em besouros, chegou a dizer: “Deus, se ele existe, tem uma especial predileção pelos besouros”.
Pois ontem à noite em meu jardim os besouros voavam. As lagartixas, esses seres mesozóicos, saiam de seus esconderijos para rodear as lâmpadas do jardim. Quando retornavam a seus esconderijos, estavam com a barriga preta de insetos. Todos eles: moscas, mariposas, formigas, vespas. E besouros.
Hoje de manhã, quando fui ao jardim, pude ver um desses besouros. Deitado de costas, o belo coleóptero jazia de costas no piso frio da varanda. Algumas formigas tentavam tirar alguma vantagem: pegar um pedaço de pata, de antena, tentar carrega-lo, qualquer coisa. Tinham muita pressa as formigas. O besouro, morto, parecia que estava com uma as patinhas levantadas como se pedisse socorro. Não existe socorro para besouros que caem de costas.
Ao ver o espetáculo da natureza e sua faina, comecei a me lembrar dos nossos tempos, quentes e abafados. Nas pessoas que não olham para os lados. O pobre besouro ali estendido e prestes a ser esquartejado pelas formigas éramos nós.
O outro está sempre errado. Ao outro não perdoamos a cor partidária, suas crenças, sua sexualidade. Não perdoamos a cor de sua pele, o jeito de seus cabelos, a maneira de se vestir. Não perdoamos o que dizem, o que cantam, o que escrevem. Um novo tempo de perseguições e proibições parece se avizinhar.
São noites quentes, como a noite de São Bartolomeu, a noite dos Cristais, a noite das Facas Longas. Nas noites longas e quentes os homens saem para matar os seus diferentes. A noite quente prenuncia a chuva.
Séculos de aprendizado com estas barbaridades não parecem comover os novos perseguidores. A moralidade surge como desculpa para novas imoralidades. As figuras públicas se escondem sob o véu da moralidade para proibir.
A velha Europa aprendeu no passado que perseguições e intolerância geram somente mais perseguição e intolerância. Hoje, todas estas lições parecem esquecidas. O ódio surge da intolerância. E aí vem a perseguição, a ameaça. O que o outro é não me ameaça. O que me ameaça é impedir o outro de ser. Se impedem o outro, logo depois vão impedir a mim.
O avanço das ideias intolerantes preocupa. Hoje, sabemos como começa e temos uma ideia de como termina. As noites quentes prenunciam chuva. As chuvas terminam com muitos insetos mortos no chão, devorados pelas formigas.
Parei por aí. Tenho muita coisa para fazer. Hoje o dia amanheceu de chuva e frio. Tenho muitos besouros para varrer no chão. É um dia cinzento e triste esse.  

4 comentários:

  1. Jeff, costumo a gostar dos seus textos, mas esse acho que foi o que mais gostei! Obrigada por compartilhar.

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  2. Belo texto! Gostei especialmente de "Não existe socorro para besouros que caem de costas". Abraço, Jeff!

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    1. Pois não é? estes dias eu peguei um besouro de costas e o virei...depois de manhã, quando acordei ele estava mortinho no me piso...e de costas! vá entender!
      Muito Obrigado, meu querido!!

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